quinta-feira, novembro 27, 2014

Outonar


Por baixo daquele tapete que parecem trapos sortidos esfiapados pela natureza outonada (em âmbar, rosa, magenta, amarelo, laranja, vermelho, castanho-terra, castanho-tronco, castanho-carvalho, rosa-velho) há sedimentos do que resta das rochas, das pedras, gravilha desfeita, que ensaiam a melodia outonal. Solfejo: graves, agudos, sussurros, sensorialidades quase invisíveis a audições viciadas em ruídos urbanos. Escuta-se o esvoaçar diáfano de folhas murchas, outras em queda livre, sensíveis à aragem, descarnando as árvores para serem bafejadas de ventos que puxam a invernia. Ontem, pude esmagar com os pés calçados, este tapete unido, abundante em andrajos que a natureza começa a desfazer-se. Pude ouvir o estalejar dos pequenos órgãos vegetais que se despedem do seu estado maduro para a iniciação a pó, a sedimento, a terra renovada, para se quedarem em infinitas partículas. Ontem, enquanto caminhava, quase deslizei numa folha mais húmida, resistente à decomposição. Hoje, contudo, o tapete já se foi, e a poeira resta por baixo, cor-de-cal-pincelado-de-cobalto. Os trapos são sempre temporários. Mesmo estes, tão secos e reais, tão vegetais e fibrosos. É preciso recolher as folhas antes que partam até ao próximo Outono. 







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