sexta-feira, setembro 30, 2011

* # [3] America Snapshot: King Kong


É romântico e sempre esperei pela oportunidade certa de o dizer: “meet me on the top of the empire state building”. Usei o pretérito na espera, porque ainda não aconteceu. Mas houve King Kong e o momento foi nada dado a romantismos.
Veio a primeira espera, quem sabe para testar as minhas reais intenções em provar o direito ao dote, qual marido prometido esmerado - moço das mais abastadas famílias-, de que também sou dotada de vontades românticas. Toda ela uma fila para começar a desembolsar. $ 21 para um encontro a centenas e furar entre cabeças, braços, troncos e pernas para me sair uma Manhattan 360 graus recortada pelo arame ao redor do topo do Empire State Building.
A segunda espera seria mais calculista: um raio X ao corpo e à minha pesada bolsa; e um piropo. O inesperado ainda pode acontecer, mesmo quando tudo parece premeditado e organizado. 
  • Are you with him?
O careca da frente ainda hesitou.
  • No, I'm alone.
  • Hum, can't believe my lady. You're never alone with that eyes. Sure you don't want my cell phone number?
  • Thanks, I still have a date with Mr. King Kong on the top of the Empire State Building.
A terceira espera: o elevador. Primeiro andar, quinto, décimo, vigésimo, sexagésimo, ufa, centésimo e em vez de outra espera, para outro elevador, subimos mais uns quantos, com mezzanino, testando a forma física e enganando a arte de arfar com estilo. É que tudo parece mais fácil para Cary Grant e Deborah Kerr (no filme *An affair to remember, em inglês - O Grande Amor da minha vida, em português), ainda que 1957 esteja um pouco distante e naquele tempo não houvesse ginásios para treinar.



E quando sonhamos com esse momento a solo, com o horizonte da cidade Empire State, eis que se nos invade este espectro colossal de gente apressada de câmara na mão, vídeos, fotos a dois, a quatro, ao redor, dominando, em monopólio anárquico os cantos ao redor, despindo o romantismo deste Estado do Império. Precisamos ganhar fôlego, manha e um amor incondicional para não hesitar em dar meia volta e volver. 



Mas o adeus às armas não é assim dado de mão beijada a quem ainda não sentiu o bafo cá de cima que a cidade pode ter. A quem ainda não sentiu o abraço apertado que a cidade do topo, em ângulo inteiro a fazer círculo perfeito, para encerrar equívocos, pode dar. A custo e paciência, até porque o vento começa a roçar a pele desprotegida, e delicada perserverança, lá encostamos devagarinho, até que alguém ceda, porque se cansa da paisagem, do vento, do burburinho e da vertigem de quem olha insistentemente em plano picado para o fosso de mais de cem andares, lá para baixo é todo um pique, e para o horizonte que apetece tocar como se perto estivesse, deixando o banho de verdade da colossal distância contar a história pragmática do que daqui se vê. 







Vê-se o rio Hudson, vê-se onde estavam as torres gémeas, vê-se Staten Island, vê-se a senhora de verde (green lady), vê-se o ferry a atravessar rio, vê-se a cidade que chora, a que ri, a eufórica, cidade de manto cinzento, as pontes, vê-se o picotado dos prédios, saídos a três dimensões de uma maquete gigante, feita de leggos de dimensão supra-humana. 

Vê-se o verde, um pedaço da História de Nova-Iorque. Vê-se o capitalismo, a cobiça, os néons. Vê-se os cheiros, os pilares urbanos, as vidas que pululam de rua em rua, as vidas que não se cruzam, as gentes que não se conhecem. Vê-se a cara do anonimato sem se verem. Vê-se a paz da linha que paira no nosso olhar do alto e o céu é isto porque estamos a tocá-lo. Afinal, hoje, não é este o arranha-céus maior da cidade de Nova-Iorque? Havemos, por isso, de estar a tocar o céu. Outra espécie de voo, outra espécie de levitação, outra forma de equilibrismo na realidade virtual que o cimento pode ter.

Vemos tudo isto. E por mais uma hora que ainda aqui chegamos, veremos muito mais e o ângulo ao redor, apercebendo-nos de que muitos marcaram encontro romântico no topo do Empire State Building, para este dia.

Em rigor, vemos como os poros da cidade e como ela sua. Em rigor, do topo dissecamos parte da metrópole. Em rigor, apesar de ele ser gigante, só não vemos King Kong. Talvez durma, seja demasiado cedo ou tarde, ou apenas não goste de visitas turísticas. Na pior das hipóteses, talvez se tenha cansado da vista. Por via das dúvidas, trouxe-o comigo, enrolado num tubo de papel, em imagem-cinema.


* versão corrigida com o nome do filme original, ora pois! Obrigada M.V.

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