segunda-feira, junho 20, 2011

Hilda, filosofia itinerante



Hilda: 

- Alguma vez você se sentou num ônibus e pensou que consegue imaginar essas pessoas que te acompanham com 10, 12, 15 anos? Menos até? Já? Me acontece frequentemente, Van. Você olha os olhos de relance, e faz esse exercício de descaracterização: tira as rugas, o peso do olhar, o branco cabelo se houver, as manchas de sol, as olheiras das mal dormidas noites, preocupadas, angustiadas; de peito apertado! 

E, nesse instante, você se apercebe de que há sempre essas duas vidas: a que vivemos, e a que sonhamos. E o mais próximo que estamos do meio termo é quando a gente se desprende de quem tem sempre o dedo apontado para a geografia que traçamos. Você não acha?

Há sempre alguém a querer te anular. E você deixa. E quanto mais você deixa, mais difícil fica que alguém, um dia, te faça o mesmo exercício com competência para te ler, qual das vidas um dia você preferiu.

E já alguma vez, nesse interlúdio, itinerante mental, selvagemente cerebral, olhando a rua, a gente, o povo, a calçada, e o relógio da igreja, em que você está com você, nessa fauna urbana, meio de gente, amarrada e desprendida a gente que você não conhece e imagina com 10, 15, 20 anos - apesar de muitas deles se olharem no espelho e não se reconhecerem (voltamos ao inquilino que paga um preço muito alto pelo uso deste corpo), pensou que o ideal seria se pudesse registar o pensamento, tal qual acontece? 

Chegaria ao fim do dia, antes da cama, e, quem sabe, das olheiras que ganhari  na seguinte manhã,  depositá-lo numa caixa de memória. Plug in aos pensamentos do dia. Colocaria um tag ao que realmente interessa para fazer a triagem necessária: e depositaria o pensamento que importa nessa caixa. Como um filme. Tudo registrado. Tudo. Mesmo tudo. 

Penso em tudo isto, Van. Talvez para que não me esqueça de pensar alguma coisa importante que me esqueci de registrar. Sim, penso em tudo isto, enquanto penso para quê, para quê, Van? Se o que realmente importa, em qual das vidas for, é o que lembramos. O que esquecemos, ou queremos, por ora, esquecer, não importa, em nada acrescenta, e com sorte, há-de ser o início de coisa boa! Tô indo, Van. Não esquece!

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