sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Diz-me o que lês que dir-te-ei quem sonharás...


Sonhos. Raramente me lembro deles, mas consigo perceber se foi bom ou mau, pela sensação do acordar. O aperto no peito para um pesadelo, a serenidade depois de uma onírica história.
Há dias sonhei com o escritor Miguel Torga. Andava a ler “Os Contos da Montanha” que a ditadura salazarista censurou – e Torga foi durante anos editor dos seus próprios livros.

A prosa deste livro é um caldo de mortes, acertos de contas, alguma bruxaria, traição e emigração portuguesa para o Brasil. Tem invernia, mãos gretadas, corpo amadurecido de sol-a-sol, rugas do gelo montanhoso, cristandade, desamores, republicanismos, cheiro a queimado da lenha ardida, mofo de casa de pedra húmida, silêncio gelado, resignação, mesquinhez popular. Está feita, então, a súmula do conteúdo, deixando à margem, claro, a erudita cozedura das palavras do chef Torga a partir de saberes populares, e o bom emprego da Língua Portuguesa, resgatando os adágios e a sabedoria das gentes do interior da nossa portugalidade.

Mas, voltando ao sonho, eis a razão deste post, além-literatura: sonhei com Torga e recordo que lhe dizia que não concordava com alguns contos daquele livro. Questionava-o sobre a razão da sua insistência na temática. Não me lembro do rosto dele, nem sequer da resposta, mas tive a certeza que a minha condição esponjosa, de me estender aos livros que leio, às músicas que ouço, aos filmes que vejo e, logo, à realidade que me envolve, pode ter benefícios (ou malefícios, claro) se deles souber desfrutar.

Imagino, pois, que posso escolher agora o meu usufruto cultural de acordo com o assunto que me apetece sonhar. Vou, daqui em diante, e sobretudo, ter mais cuidado com a aparência dos escritores que escolho para me entreter. Já pus de lado, por isso, os autores dos livros que esperavam na fila para este ano: Oscar Wilde, Goethe, Cesariny, Rubem Fonseca, Machado de Assis, Eça de Queirós (ao menos acaberei, por ora, o Mandarim)... Pelo menos por enquanto, numa espécie de quarentena a ver se a coisa se repete ou não. Não vá o diabo tecê-los, em sonhos, num pacto com Morfeu.  

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