segunda-feira, junho 15, 2009

Bielman F. Divã...



- Pode sentar-se no divã. O doutor já vai atendê-lo!
Tirou o casaco que se colava ao corpo. O deslizar das mangas na pele nua roçou os pêlos suados. Mergulhou no cadeirão. Olhou o tecto branco, vazio e pronto para a associação livre até à neurose. A sala cheirava a flores. Pensava que todos os consultórios cheiravam a hospital tentando ser assépticos para que o cérebro permaneça alertado de que o “não-lugar” é apenas de passagem e não se entregue aos truques psicossomáticos que só existem na utopia fora do corpo.

-Boa tarde. O meu nome é K. Você é o senhor Bielman?
- Dizem!
- É a primeira vez com um psicanalista?
- É, parece que vai ser um homem a tirar-me a virgindade nesse assunto.
- Não vai doer. Prometo!
- Sempre achei essa história de terapia coisa de loucos. Talvez eu esteja. Mas o que acontece é que nos últimos meses nem eu mesmo me aguento.
- E por que razão?
- Não consigo envolver-me com ninguém.
- E por que razão acha que isso é um problema?
- Desde que me divorciei o ano passado, entrei num ritmo de conhecer várias mulheres. Todas elas diferentes, Doutor. Mágicas, os corpos tenros, as ternuras. Mas, depois, quando querem coisa séria…Tudo começa com a escova de dentes, depois a lingerie, a maquilhagem. Quando percebo já fizeram cópia da minha chave-de-casa e estão a cozinhar para mim. Não aguento isso. Não quero mais isso. Chega uma altura em que mergulho num balde de água fria e começo a atirar-lhes gelo. Agredi uma, Dr.
-Costuma esclarecer, desde o início, as regras do jogo?
- Sempre. Conheço-as na noite, na paragem de autocarro, no metro, nos quiosques de jornais, no supermercado… Você sabia que o supermercado é o melhor ponto de engate para os solteiros? E aos 37 fica difícil resistir. Mas tem uma que sempre volta.
- Uma mulher?
- É. Não sei nada sobre ela. Já nos encontramos algumas vezes. Eu não pergunto nada. Não sei o que faz. Mas é como se a conhecesse desde sempre. Aqueles cabelos negros. A pele branca, escorregadia. O olhar embalado. Ela sempre aparece assim, sem avisar. De alguma forma acho que procuro por ela em todas as mulheres. Mas ela sempre desaparece antes de eu acordar. Não deixa rasto, nada. Eu não tenho coragem de lhe perguntar nada para não estragar o momento. É intenso, Dr. Fico em êxtase só de a ouvir falar. Ela passa semanas sem dizer nada. Simplesmente desaparece. Mas o melhor de tudo: é aquele cheiro que me hipnotiza e me leva ao útero Dr. Sinto-me a renascer. Mas há dois meses que não sei nada dela. …Acho que estou de ressaca.

-Acorda querido. Estavas a delirar. Deve ter sido da Fluoxetina que te injectaram. Estavas em transe profundo.
- Não, profundo é o poço do passado em que me arrastaste. Não sais da minha cabeça. És a minha doença, Loren.
Levantou a cabeça e o dorso para a abraçar.
- Não vais mais fugir de mim.
"Plufff". Ela desapareceu como espectro de fumo. O abraço foi um não-abraço seco ombro-no-ombro. Inexistente. Saiu bafo frio da boca dele. Nevava. Ouviu o eco do próprio pensamento. Um grito silencioso que rasga a alma e a despedaça por dentro. Mas no fundo do poço ninguém ouve. Mordeu a língua. E adormeceu…

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